O GARI CANDANGO E O FILHO DE CLASSE MÉDIA



Uma das melhores sensações que o ser humano pode experimentar é a de alívio por ter reavido algo de valor que se encontrava perdido!
Certo dia, em 1996, viajando de trem pela Europa, ao desembarcar em Frankfurt, esqueci minha pochete com cartões de crédito e cerca de 1500 dólares, em travellers checks e em espécie, na cabina do trem onde dormira na viagem do trecho Paris-Frankfurt.
Assim que desembarquei e andei uns 200 metros na plataforma da estação, ao afivelar minha mochila de viagem, dei pela falta de minha pochete, mas não não tive tempo suficiente para retornar ao trem, ir até minha cabine e resgatar meus valiosos pertences. Na Europa, a pontualidade dos trens não permite que eles permaneçam nas estações além dos exíguos minutos suficientes para o desembarque e embarque dos passageiros. E, para meu desespero, na cabina que eu viajara ficaram 4 outros passageiros alemães que seguiram viagem junto com meus valiosos pertences.


A sensação de estar numa situação dessas é extremamente brochante, considerando-se que eu estava numa viagem de segunda lua-de-mel! (rsrsrs) “Lasquei-me!”, pensei. “Ainda bem que, pelo menos, eu estou com os nossos passaportes, Lu. Menos mal”, falei para minha esposa, tentando dar àquela situação um valor subestimado e pretendendo disfarçar meu sentimento de desapontamento e cólera. Na estação de Frankfurt, como em quase todos locais de acesso público da Europa, há um setor de “perdidos e achados”, onde eu registrei minha perda. A oficiala que me atendeu perguntou-me quais eram as características da pochete e o que havia dentro dela. Tomou nota de tudo e pediu-me que voltasse uma hora depois, pois ela iria ver se conseguiria recuperá-la. Sinceramente, eu não tive muita esperança de reaver meus trocados e meu cartão de crédito.

Cerca de 40 minutos mais tarde, a oficiala da estação que registrou minha ocorrência de perda surgiu andando em minha direção com minha pochete na mão: “É essa a sua bolsa?” “Sim, sim. Muito obrigado”, respondi ansioso, embora o que me importasse mesmo era o recheio da bolsa. “Veja se está faltando alguma coisa, por favor, senhor!” disse ela ao me entregar a pochete. Revistei a bolsa “Está tudo aqui, senhora, não está faltando nada. Muito obrigado!”. “Por favor, senhor, assine este formulário e boa estada em Fraknfurt”, disse-me gentilmente.

Há alguns anos, em Brasília, apenas para citar um exemplo, ao proceder seu metier diário, um gari encontrou um maço de dinheiro e encheu-se de orgulho e dignidade ao devolver o achado para seu dono, a despeito de viver miseravelmente ganhando um salário mínimo por mês e de aquele achado lhe dar a possibilidade de saldar alguns dos vários “pregos” que mantém na padaria, no mercadinho, na farmácia ou no açougue de sua vizinhança e a despeito de ninguém tê-lo visto achar aquele pequeno tesouro. Fatos como esse incrivelmente rendem uma destacada reportagem nos noticiários de televisão, com direito a exaustiva repetição no jornal da noite e no jornal da manhã do dia seguinte.

Em compensação, no colégio onde meus filhos estudam, um deles já deixou, por duas vezes, por esquecimento, seu telefone celular os quais jamais reouve. Quem os achou não foi mais digno que aquele gari cadango. O que era para ser um simples exercício de solidariedade tranformou-se num ato desprovido de ética, de amor ao próximo e de justiça até.

O jurista, político e estudioso romano Ulpiano já dizia há quase 2000 anos: “os preceitos do direito são viver honestamente, não prejudicar outrem e dar a cada um o que é seu.

Mas isso não é culpa do colégio, que, por sinal, é de orientação religiosa, mas dos pais que têm o dever de criar seus filhos ensinando-lhes o valor de expressões como “obrigado”, “por favor”, “bom dia”, “com licença” e por aí vai. Quem aprende a bem utilizar esses expedientes de bons costumes facilmente vai saber o que fazer sempre que encontrar algo perdido que não lhe pertença.

Sabemos que os traços culturais e os costumes de um país são dinâmicos e evolutivos. Se esta coisa fantástica chamada Internet serve para, de alguma forma, melhorar o mundo, aproveito este blog e esta oportunidade para lançar um desafio a cada um dos que lêem este artigo: eduquem seus filhos, sobrinhos, irmãos e amigos em geral a praticar esse pequeno gesto de justiça que inspirou o humilde gari candango e que faltou ao estudante de classe média mencionados nos fatos acima narrados, já que tanto clamamos por esse ideal de JUSTIÇA!

VOLNEY AMARAL

Comentários

  1. Quizera podermos conviver em nosso dia a dia com tais exemplos citados (do gari e o de Frankfurt), como se fossem atitudes normais e corriqueiras de qualquer ser vivente desse planeta.Acha-se sim, mas cada vez em escala menor...
    Infelizmente isso independe de classe social. Os valores hoje foram invertidos, em todas os segmentos. O normal hoje é ser esperto é passar a perna no outro, é sempre "ter" e cada vez menos "ser"...
    Bastaria usarmos o preceito de "tratamos o outro como gostaríamos de ser tratados" e o mundo já seria bem melhor.
    Portanto, achei louvável sua iniciativa em usar a internet para alertar e sugerir que cada um já procurando educar e sobretudo dar o exemplo aos mais próximos, é um bom caminho andado.
    Parabéns pela iniciativa!

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  2. De fato os princípios estão invertidos, pois muitos em uma situação que julguem favoráveis esquecem absurdamente da solidariedade e dos bons costumes que se resume em honestidade!!! Seja no ambiente de trabalho, no nosso dia a dia, em certas situações existe sempre algum esperto (a) querendo aproveitar-se ou levar alguma vantagem. Independentemente de religião ou classe social a beleza do homem é ser honesto, pois assim será respeitado e admirado pelo que é e não pelo que tem!!! Nosso dever de pais e educadores de nossos filhos é ensinar o certo do errado.

    Parabéns Volney pela grande iniciativa.

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  3. Me lembro bem desse episódio, e do quanto sempre achei estapafúrdio fazer tanto estardalhaço por algo que deveria ser óbvio e esperado. O gari em questão era sim, sem dúvidas, uma pessoa honrada; no entanto, ser honrado não deveria ser tão raro, não é mesmo?

    Também é importante dizer, no entanto, que você teve alguma sorte na Europa. Não é sempre assim em todo lugar, hoje em dia menos que há tempos.

    Abração!
    Higor.

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  4. Infelizmente é assim, mesmo, meu caro Volney. E na Europa tb é "irritantemente" (rs) assim.
    Abraço!

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