MENCIONAR OU NÃO MENCIONAR "COLLOR"?


Após o impeachment de Collor (1992), Alagoas e, em especial, os alagoanos, amargaram por longos e longos anos o estigma e o preconceito de ter nascido neste pequenino e miserável estado nordestino. Termos como "República das Alagoas" eram usados pela imprensa nacional com um sentido muito pejorativo, depreciativo.

Nós, alagoanos, nas viagens que fazíamos para qualquer outro estado, tínhamos que suportar o fardo de, sem ter qualquer culpa exclusiva pela eleição (e pela qualidade e atos) daquele presidente deposto, pertencer ao estado de seu domicílio eleitoral (Alagoas) que ele governou (Collor é, na verdade, carioca), pois sempre que anunciávamos nossa procedência, qualquer pessoa logo dizia: "Ah, é da terra do Collor e do PC Farias, não é?" E a gente ficava com cara de não-sei-o-quê, sem resposta.

Para você ter uma ideia da extensão residual desse desconforto que muitos alagoanos tiveram que suportar, em 1999 eu ainda passei, mais uma vez, por essa coisa desconfortável de ser estigmatizado por ser alagoano. Depois do acontecido, jamais me quedei inerte. Decorei a resposta que, então, dei de chofre. 

Em 26/05/1999 consegui que fosse publicado no Jornal Gazeta de Alagoas, esse meu artigo, onde eu quis expressar tanto as consequências nefastas daqueles fatos históricos quanto a indignação de nós, alagoanos, com as insinuações sobre nossa alagoanidade. Este artigo não pretende simplesmente republicar aquele, mesmo porque, modestamente, sempre o achei atual. Mas revela um fato interessante.

Eis, na íntegra, a versão que foi publicada:

"SER OU NÃO SER ALAGOANO

Ao sentar-me à mesa da 10ª Junta Trabalhista de Fortaleza, na qual defendia os direitos de um certo cliente, a meritíssima juíza presidente, muito simpática e procurando nos deixar muito à vontade, perguntou-me:
- O sr. é de onde?
- De Alagoas - respondi.
- Ah, quer dizer, então, que o sr. é da terra do PC Farias, não é? - disse-me num tom jocoso.
-  Sou, sim, com muito prazer! - respondi. E arrematei: 
- Da terra de PC Farias, de Djavan, de Pontes de Miranda, de Marechal Deodoro, de Marechal Floriano, de Graciliano Ramos, de Jorge de Lima, de Paulo Gracindo....
Teria tido mais uma dezena de nomes para incluir nesta lista.
A juíza não fez mais nenhum comentário sobre a minha procedência.
Antes que qualquer leitor me julgue um abusado, um mal-educado, um insolente, eu gostaria de dizer que esta não é a 1ª nem a 10ª vez que enfrentei situações semelhantes e, colhido de surpresa, apenas expressei minha indignação com um olhar perdido, sem resposta.
Ser alagoano não deve implicar em ter que carregar qualquer estigma, qualquer complexo de inferioridade ou suportar qualquer forma de desrespeito que imponha a depreciação de nossa qualidade individual ou coletiva. Não devemos ter qualquer receio ou vergonha de expressar nossa alagoanidade.
Pobres cearenses! Quando chegam a São Paulo são tratados por muitos como sub-raça nordestina. Pobres paulistas! Quando chegam a Miami são tratados por muitos como sub-raça latino-americana.Pobres americanos, que sequer sabem distinguir um quartel de um hospital, ou um comboio de kosovares trôpegos, famintos e esfarrapados, de um pelotão de soldados sérvios!
Admito, até, que a meritíssima juíza não teve a intenção de humilhar ou depreciar a qualidade da gente da nossa terra. É óbvio que nem todos os alagoanos são dignos de inclusão numa lista como a que debulhei em Fortaleza. Aliás, toda generalização para pior ou para melhor é inconcebível, bem sei, mas acho que voltei um pouco mais orgulhoso de ser o que sou: brasileiro, nordestino, alagoano de Pão de Açúcar!".

O detalhe curioso é que, no verdadeiro diálogo com a juíza, o nome do ex-presidente Collor também foi usado por ela para para criticar a resposta sobre minha procedência! 

Mas, cá para nós, quando é que meu artigo seria publicado exatamente no jornal pertencente à família Collor se eu não tivesse estrategicamente omitido seu nome do texto?

VOLNEY AMARAL

Notas históricas: 
(1) Na primeira metade da década de 90, com a economia brasileira em frangalhos já por  duas décadas, os brasileiros eram muito mal vistos e recebidos na Europa e EUA, pois geralmente íam para lá com finalidade de migração. Hoje, com a economia bem mais forte, e com a gastança brasileira no exterior, somos bem-vindos lá, tendo o governo americano, primeiramente, implementado medidas para facilitar a obtenção de vistos de entrada e até acenado, recentemente, com a não exigência de visto para brasileiros. Tudo em nome da recuperação da economia americana. 
(2) naquela época estava em curso a guerra que resultou da dissolução da Yoguslávia, país do bloco comunista desfacelado após a queda do muro de Berlim. Na referida guerra os habitantes de Kosovo, uma das províncias yoguslavas, foi massacrada pelos sérvios. Com intervenção da OTAN na guerra, aviões americanos trucidaram, por engano, algumas dezenas de civis kosovares que vagavam por uma estrada refugiando-se da guerra. Também era comum o bombardeio de alvos civis que nada tinham a ver com a guerra, dentre os quais um hospital, cuja destruição foi justificada por esse erro de interpretação de imagens.        


Comentários