ABRAM OS OLHOS - PEC DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS


NOVOS TEMPOS

Está em curso o processo legislativo que certamente resultará na aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que revoga o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal, para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais..

Uma vez aprovada a PEC, os domésticos passarão a ter, dentre outros, direito a:

a) duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

b) remuneração de serviço extraordinário (hora extra), no mínimo em 50% do normal.

c) remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

d) adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas;

e) proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

Outros direitos também merecem atenção e reflexão, mas é especificamente acerca desses direitos acima mencionados que nos manifestamos neste artigo. E esta nossa manifestação não tem, obviamente, a forma nem o conteúdo de um artigo acadêmico, profundo, senão a observação de um mero empregador doméstico que tem formação jurídica.

É verdade que, passados cerca de 125 anos da abolição da escravatura, ocorrida legalmente em 13/05/1888, na essência, muitos patrões e patroas ainda não saíram da casa-grande, nem querem deixar seus empregados sair da senzala: exalam uma empáfia sócio-econômica, mas exploram e exaurem a força de trabalho de seus empregados domésticos, impingindo-lhes uma jornada de trabalho que, na verdade não tem hora para iniciar nem acabar, especialmente quando o empregado(a) doméstico "dorme no emprego". Esse tipo de distorção, é verdade, sempre mereceu um reparo.

Aqui ou acolá eu me levanto mais cedo que minha esposa e eu mesmo providencio o nosso café (de minha família e por conseguinte o da ex-empregada também). Nossa ex-empregada, hoje nos prestando serviços como diarista, costumava chegar perto das sete, quando estávamos de saída ou já havíamos saído para levar as crianças à escola.

O engraçado é a inversão de papéis que isso implicava, pois às vezes, quando nos encontrávamos logo cedo, ela chegando nós saindo, eu costumava brincar com ela dizendo: "Desculpe, aí, Maura, mas hoje eu errei na medida e o seu café tá muito forte!". Meus amigos custam a acreditar que lá em casa, quem faz o café da manhã da empregada sou eu!

Brincadeiras à parte, temos que observar, com seriedade, a igualdade a que se quis brindar os domésticos, estendendo a eles todos os direitos dos demais trabalhadores  urbanos, em geral. Nada mais justo?

Considerando-se máxima que diz que "o princípio da igualdade e isonomia de tratamento induz que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na proporção das suas desigualdades.", isso induz-nos a concluir que, por esse ângulo, então, o ato de igualar os domésticos aos trabalhadores urbanos em geral, conferindo-lhes o direito à percepção de adicional de hora extra e adicional noturno, por exemplo, pode trazer embutido em si um tratamento de desigualdade e não isonômico para os empregadores (patrões) domésticos, eis que, forçosamente, a lei também lhes é destinada, como parte da relação de emprego doméstico.

Empregadores (patrões) domésticos diferem, em muito, do empregador genérico, a começar pelo fato de sua residência (dos patrões), como tal, não ser um empreendimento mercantil e, portanto, não ter fins lucrativos.

O PROBLEMA DA JORNADA DE TRABALHO 

Certas prestações de serviço doméstico que até exigem menos qualificação, tais como a de morador ou caseiro, por ser uma situação de prestação de serviço continuada, eis que o morador ou caseiro presta o serviço de morar/zelar 24 horas por dia, poderão ensejar o direito de o empregador ter que pagar 16 ou 17 horas extras por dia, considerando-se a hora fictícia!!!

As distorções salariais brasileiras são tão graves que, com a política salarial atual, já existe gente refletindo sobre se é justo ser um comerciário, por exemplo, que ganha o piso de sua categoria, mas que tem que ter 1º e até 2º grau, saber ler, escrever, fazer contas nas quatro operações, etc. ou ser uma empregada domésticas cuja qualificação não é das mais exigentes.

Como vai ficar a questão do controle de jornada? Não esqueçamos que a interpretação da lei trabalhista tende a ser favorável ao obreiro, pela sua presumida hipossuficiência. E como obter provas testemunhais isentas (sem suspeição ou impedimento) dentro de sua própria casa para se contrapor a fatos não verdadeiros formulados em reclamações trabalhistas?

INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE

No que pertine ao direito aos adicionais de insalubridade e periculosidade, o que me vem à cabeça, de imediato, é que os empregados domésticos que prestam serviços gerais (lavam, passam, cozinham, por exemplo.), trabalham, às vezes em situações que doravante poderão ser questionadas como trabalhos insalubres ou perigosos.

Quem cozinha trabalha em contato com substância inflamável (gás de cozinha) e sofre os efeitos do calor emitido pelo forno ou fogão, além de correr risco de sofrer queimaduras; quem passa roupas com ferro elétrico, idem e ainda estão expostas a choques elétricos; quem lava banheiros se expõe a contato com fezes e urina; quem prepara comidas também mantém contato com micro-organismos biológicos potencialmente ofensivos à saúde encontrados em carnes, peixes, mariscos, frutas e verduras. Periculosidade e insalubridade passarão a fazer parte das reclamações trabalhistas, podem ter certeza!

E agora? Bem, em reclamações trabalhistas ajuizadas por domésticos passaremos a ter perícias de insalubridade ou periculosidade, cada vez que esses direitos forem questionados. 

E o custo só da perícia onera uma reclamação trabalhista (leia-se onera quase sempre o empregador) em torno de R$ 1.500,00. O bicho vai pegar!

Os questionamentos derivados dessas mudanças virão aos montes, cabendo aos Tribunais do Trabalho a missão de dissipá-los.

ESTAMOS PREPARADOS(AS)?

A quê estarão fadados os empregadores (patrões) e empregados domésticos com essas alterações da legislação que amplia obrigações e direitos, respectivamente?

É fácil se concluir que, em alguma proporção ainda não seguramente aferível, teremos a diminuição proporcional de postos de emprego doméstico, acréscimos consideráveis dos custos e gastos com empregados domésticos, talvez um acréscimo do emprego na informalidade, aumento considerável das relações de trabalho sob a natureza de diarista.

Mais que tudo isso, o que se tem por absolutamente certo é que os empregadores domésticos precisarão estar muito bem  assessorados juridicamente e contabilmente para enfrentar os novos desafios que se lhes apresentam.

Formalizar a relação jurídica, com assinatura da CTPS e recolher as contribuições previdenciárias é mais que um dever: é uma questão de justiça social pela próprias mãos! Obter recibo de tudo que se paga e guardá-los por 5 anos, registrar a jornada em livro próprio, e até fazer um contrato de trabalho escrito

ESTAMOS PROTEGIDOS(AS)?

Outro aspecto de suma importância a que não se tem dado a devida atenção é que, no caso de dívidas resultantes de condenações judiciais em favor dos empregados domésticos, nem o imóvel (bem de família) onde houve a prestação de serviço, ainda que seja o único, está livre de penhora para o pagamento dos direitos do(a) obreiro(a) doméstico(a)!

É que a lei 8.009/90 que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família assim dispõe:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

As relações interpessoais também sofrerão, a longo ou médio prazos, as consequências dessas significativas, mas necessárias modificações. Os empregadores domésticos deverão forçosamente se adaptar ao novo estado de coisas e ao novo estilo de vida disso decorrente., 

Até lá, ainda veremos muita patroa à mesa de audiência, chorando e dizendo: "Eu sou madrinha do filho dela!", "Eu dei de um tudo a essa moça, até o enxoval de seu casamento!", ou "Eu a tratava como se fosse uma pessoa da família!"

Nas relações de emprego, as amizades e laços amistosos que se fizeram no início, naturalmente se desgastam e, com o tempo, às vezes se tornam ferrenhas inimizades.

Nós, nossos filhos e filhas finalmente terão que viver uma vida no estilo que se vive na Europa e Estados Unidos, em que, ter uma empregada doméstica, é um luxo só! Vão ter que ajudar nos afazeres de casa, lavar pratos, comer fora, ou comer comida congelada e requentada no forno de micro-ondas, lavar as roupas em uma lavanderia do prédio ou na da esquina!

Ainda bem que boa parte disso já é feito lá em casa. E nossos filhos já estão sendonpreparados para esses desafios!

VOLNEY AMARAL

Comentários

  1. Apesar da informação dos direitos inerente a pessoas, aqui empregadas domesticas, vale ressaltar a importância a saudade daqueles tempos em que a nossa empregada fazia o papel substituto de "mãe". Com essa nova legislação resta-nos apenas a lembrar dos tempos das Zefas, Donass Biu. Não podemos questionar a evolução social e especialmente a nascedouro de direito para tutelar e regrar determinados fatos da vida, mas´neste caso é preciso ficar muito atento para não ocasionar um problema social com o desemprego e a entrada na informalidade de muits empregadas domesticas.

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  2. A verdade é que é justo para elas e lasqueira para gente.

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