ZICO NÃO É FLAMENGUISTA

Quando, naquele dia 05 de julho, o juiz apontou para o centro do campo e fez soar o apito final daquela partida, eu, incrédulo, fechei os olhos e baixei a cabeça, deixando escapar a expressão da mais profunda tristeza que então senti, balbuciando "Não é possível, meu Deus!" Aquele instante selou, de forma indelével, a maldita história das copas do mundo de futebol com a mais lamentável injustiça atribuída aos chamados "deuses do futebol". Se existem, estes não merecem ser chamados de deuses, nem ser escritos com inicial minúscula! Suspirei profundamente, pois sabia ser impossível voltar o tempo e reescrever aquela página da história do futebol, e aquele estado de coisas passaria a ser, para sempre, como a morte física de um ente querido.

Toda vez que converso com meus filhos a respeito da seleção brasileira de futebol da Copa de 82, eu uso adjetivos e superlativos que, apesar de meus esforços, não conseguem expressar, em sua inteireza, o real significado do que quero dizer.

Eu não assistira a Copa do Mundo de 70, senão pelo rádio, já que, naquela época, não havia televisão em Pão de Açúcar, onde eu então morava. Assisti pela tv ao fiasco de 74, quando o futebol holandês pegou todos de surpresa com aquele jeito inédito de jogar. Na Argentina, em 78, a marmelada selou nossa sorte, mas nos fez "campeões morais", um prêmio de consolação inservível para quem é exigente em termos de títulos como o brasileiro, época em que terminava uma geração e iniciava outra, que viria a ser, quatro anos depois, o mais perfeito e harmônico conjunto de craques jamais montado. Custei a acreditar que aquela seleção dos sonhos não voltaria ao Brasil com a taça nas mãos.

As pessoas de até 35 anos de idade hoje (2013) jamais viriam uma concentração tão grande de grandes craques jogar uma copa do mundo - uma verdadeira constelação de estrelas de primeiríssima grandeza. Mais que isso, um grupo tão entrosado, destemido, que jogava e encarava os adversários de frente, sem retranca, sem esses esquemas retrógrados, retrancados, do tipo ferrolho, viris  e mirabolantes de hoje em dia, e que só enfeiam o futebol. Um time com um toque de bola (não esse sem objetividade e protocolar do Barcelona dos dias atuais), mas um toque refinado, avançado, moderno, agressivo,que nosso time de 82 tinha! Se você tem menos de 35 anos, recomendo assistir ao vídeo (3) ao final sugerido.

Não é exagero dizer que, para mim e para milhões de outros amantes do futebol-arte, os títulos mundiais que mais tarde o Brasil logrou arrebatar em 1994 e 2002 não significaram, em termos de prazer e orgulho de nosso futebol, nem a metade desses sentimentos com relação à seleção que não foi campeã em 1982. Ontem ouvi pelo rádio Parreira justificar que o título que ele conquistou foi pragmático, porque o objetivo que a comissão técnica brasileira tinha àquela época era por fim ao jejum de 24 anos sem um título mundial para um país que se dizia o país do futebol. 

Naqueles dias da copa de 82, em Alagoas  em muitos outros estados do Brasil, vivíamos uma epidemia de conjuntivite. E eu adquirira essa incômoda inflamação que afetava os olhos, deixando-os vermelhos, inchados e ardentes, lacrimejando quase incessantemente. 

O silêncio que se abateu nos minutos seguintes ao apito final, tal como na canção "Crying in the rain" (1), só eu podia saber se minhas lágrimas eram por causa da conjuntivite ou da minha tristeza. Então, eu deixei que as lágrimas vertesse de forma incontida. Afinal, aquele era o dia de meu aniversário de 22 anos. Eu não poderia receber um presente mais triste.

Zico foi meu maior ídolo esportivo de todos os tempos. Enquanto jogou, Zico, preencheu minha alma de alegria e admiração, até o final dos anos 80, arrefecendo nossas frustrações com nosso país de quase 20 anos de ditadura e atraso econômico, e nos fez orgulhosos de pertencer a esta nação. Nas peladas da Praça do Pirulito, ou da Praia da Avenida, eu me sentia o próprio, tabelando, marcando gols e correndo com os braços abertos para comemorar com meus companheiros!

No dia em que Zico finalmente parou de jogar profissionalmente, inconformado e com os olhos rasos d'água, eu procurei, em vão, resposta para uma pergunta que até hoje me martela o juízo: por que gênios como Zico têm que envelhecer e um dia parar! Eles deveriam ser eternos não só em nossas lembranças, mas no âmbito físico. No instante em que escrevo isto, a história de Zico me transporta para um filme chamado "O Campo dos Sonhos" (2).

O aniversário de 60 anos de Zico, comemorado ontem, as homenagens e reportagens que vi na TV, confirmam sua história de glórias e me torna mais resignado com aquele fatídico 1982. 



E, meio enciumado, admito que Zico nunca foi do Flamengo. Pela sua arte, por sua competência, pelo seu exemplo de profissional, de pai de família e de cidadão, Zico sempre foi de todos os brasileiros. Daí ele ser admirado e respeitado por todas as torcidas.

Obrigado, Zico!


VOLNEY AMARAL

(1) Canção composta por Carole King e Howard Greenfield, originalmente lançada em 1962 pelos "Everly Brothers" e que se tornou novamente um sucesso quando gravada pela banda norueguesa A-Ha, mas que fora sucesso.
NO YOUTUBE
Crying in the rain - com Everly Brothers (1962)
Crying in the rain - com A-ha (tradução legendada)
(2) Título original: Field of dreams - filme estrelado por Kevin Costner, de 1989. (Recomendo)
(3)  15 OBRAS DE ARTE - GOLS DO BRASIL NA COPA DE 1982

Comentários

  1. meu amigo volney... precisamos levar em conta que o grande zico foi o jogador que estreou a nova fase dos goleiros excepcionais.
    ao perder o penalti, selou uma nova fase no futebol: a evolução dos goleiros!!!
    eles evoluíram e a partir daí muitos craques passaram a respeitar e tremer nas bases - e muitas vezes perder - quando iam enfrentar o que antes era considerada uma barbada: A COBRANÇA DE PENALTIS.
    infelizmente essa 'nova era' veio pelos pés do grande craque que ele foi.

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  2. Isso refere-se à copa seguinte (de 86). Mas, ainda assim, poucos se lembram de um detalhe vital. N partida contra a França, Zico perdeu um pênalti, mas converteu o outro (nas cobranças de pênalti que definiram o classificado para a fase seguinte). OUTRO DETALHE, O PENALTY BATIDO POR ELE E NÃO CONVERTIDO EM GOL FOI MUITO BEM BATIDO. MÉRITO PARA O GOLEIRO!

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  3. Muito bom o texto Volney. Voltei ao meu passado e aquela Copa 82. Mas nunca me conformei a injustiça q fizeram com o Zico desde aquela época. Não é verdade q o Zico foi o responsável pela derrota e eliminação do Brasil em 82. Não! Zico perdeu um pênalti ainda com o jogo acontecendo. No término da partida, fomos disputar a continuação ou não na copa nos pênaltis. Zico foi um dos cobradores e fez seu gol. Um Zagueiro nosso e o grande Sócrates perderam as batidas deles. Isso sim foi definitivo em nossa saída dessa copa. Ontem ao assistir a homenagem q fizeram ao Zico, muita justa por sinal, a repórter perguntou:
    - se vc jovem pudesse dizer algo ao sessentão, o q vc diria?
    Ele:
    - não vá prá copa de 82!
    Incrível q até o Zico acredita q ele foi o responsável, tamanha a cobrança q os brasileiros fizeram a esse grande jogador e homem.

    Abços

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  4. Muito bom o texto Volney. Voltei ao meu passado e aquela Copa 82. Mas nunca me conformei a injustiça q fizeram com o Zico desde aquela época. Não é verdade q o Zico foi o responsável pela derrota e eliminação do Brasil em 82. Não! Zico perdeu um pênalti ainda com o jogo acontecendo. No término da partida, fomos disputar a continuação ou não na copa nos pênaltis. Zico foi um dos cobradores e fez seu gol. Um Zagueiro nosso e o grande Sócrates perderam as batidas deles. Isso sim foi definitivo em nossa saída dessa copa. Ontem ao assistir a homenagem q fizeram ao Zico, muita justa por sinal, a repórter perguntou:
    - se vc jovem pudesse dizer algo ao sessentão, o q vc diria?
    Ele:
    - não vá prá copa de 82!
    Incrível q até o Zico acredita q ele foi o responsável, tamanha a cobrança q os brasileiros fizeram a esse grande jogador e homem.

    Abços

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  5. Belíssimo texto Tio Volney!!
    Realmente, nas histórias das Copas, vemos alguns momentos em que Os Deuses do Futebol "adormeceram":

    >> COPA de 1950, O MARACANAÇO.
    Acho que dor maior que a desclassificação em 82 deve ter sentido os torcedores que viram a seleção de 50 perder a copa diante de mais de 200 mil pessoas (o maior público do estádio, do País e da história do futebol mundial em todos os tempos).

    Tristíssima a história contada por Jules Rimet, quando dos preparativos para a entrega da taça ao campeão (vide Wikipédia):

    "Ao término do jogo, eu deveria entregar a Copa ao capitão do time vencedor. Uma vistosa guarda de honra se formaria desde a entrada do campo até o centro do gramado, onde estaria me esperando, alinhada, a equipe vencedora (naturalmente, a do Brasil). Depois que o público houvesse cantado o hino nacional, eu teria procedido a solene entrega do troféu. Faltando poucos minutos para terminar a partida (estava 1 a 1 e ao Brasil bastava apenas o empate), deixei meu lugar na tribuna de honra e, já preparando os microfones, me dirigi aos vestiários, ensurdecido com a gritaria da multidão".

    Aconselhado a descer devagar a escada até o vestiário, Jules Rimet ia acompanhado por delegados da FIFA, dirigentes brasileiros e guardas armados com a missão de proteger a taça de ouro:

    "Eu seguia pelo túnel, em direção ao campo. Na saída do túnel, um silêncio desolador havia tomado o lugar de todo aquele júbilo. Não havia guarda de honra, nem hino nacional, nem entrega solene. Achei-me sozinho, no meio da multidão, empurrado para todos os lados, com a Copa debaixo do braço".

    >> COPA de 1954: A SELEÇÃO HÚNGARA
    A seleção húngara de Puskas, verdadeiro rolo-compressor naqueles tempos, perdeu a final para a Alemanha por 3x2, quando chegou a estar ganhando por 2x0!! Detalhe: os dois times já haviam se enfrentado na primeira fase, e os Húngaros haviam vencido os Alemães por, nada mais, nada menos, que 8 x 3!!
    O feito alemão ficou conhecido como "O milagre de Berna"... Tem até filme a respeito.
    Já ouvi comentários dizendo que na volta para o segundo tempo, os Alemães entraram em campo totalmente dopados.

    http://oglobo.globo.com/esportes/alemanha-usou-doping-para-ser-campea-na-copa-de-54-2933890

    http://www.estadao.com.br/noticias/esportes,estudo-reaviva-hipotese-de-doping-de-atletas-alemaes-na-copa-de-1954,630075,0.htm

    Ouvi tb dizer que outra vantagem a favor dos Alemães eram as chuteiras com cravos intercambiáveis, que melhor se adaptariam aos campos molhados daquela Copa.

    >> COPA de 1974: A LARANJA MECÂNICA
    Naquela copa, a seleção holandesa surgia como outro rolo-compressor, mostrando um futebol envolvente e inovador.
    Não suportaram à seleção anfitriã: perderam por 2x1 para a Alemanha de Beckenbauer que - detalhe - havia perdido na fase de grupos para a modesta Alemanha Oriental.

    >> COPA de 1978: OS CAMPEÕES MORAIS
    Como você mencionou, a seleção brasileira saiu daquela copa ostentando esse título consolador, perdendo a vaga em circunstâncias, no mínimo, anômalas, proporcionadas pela seleção peruana.
    Nessa copa a Holanda também teve a segunda chance de coroar seu futebol, mas o que restava da Laranja Mecânica esbagaçou de vez, naquela bola na trave aos 45 do segundo tempo e nas "tabelas-trombadas" dos argentinos.

    >> COPA de 1982:
    Seu texto diz tudo!

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  6. Caro Volney, vc escreve como um jornalista profissional. O texto é magistral nos reportando aquela Copa fatídica de 82.

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  7. Caro Volney, vc escreve como um jornalista profissional. O texto é magistral nos reportando aquela Copa fatídica de 82.

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  8. Elias Tavares Cordeiro8 de abril de 2013 às 19:29

    Amigo Volney, você conseguiu o quorum necessário para impor-se como advogado e um grande articulista. A lealdade a grandesa de ânimos são sentimentos que na sua personalidade fundem-se completam-se num conjunto perfeito, nada estou fazendo do que jus aos seus predicados. Meus aplausos amigo pela excelente reportagem.

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