PECADO MORTAL

A noite já caíra em Pão de Açúcar. O badalar dos sinos, ouvido de um extremo ao outro da cidade, indicava a proximidade da hora da missa dominical, chamando os fiéis pão-de-açucarenses a rumarem à bela igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus.

As noites de Pão de Açúcar geralmente tinham como atrativos hebdomadários principais a missa dominical na matriz e o filme em cartaz da semana cuja sessão começaria logo após o término da missa, quando a característica sirene do cinema, que podia ser ouvida nos quatro cantos da cidade, fazia o chamado para o iminente início da exibição.

Minha mãe era uma pessoa de convicções católicas e de guardar os domingos religiosamente. E eu a acompanhava de livre e espontânea obediência.

Mas, antagonicamente, eu cresci sem receber o sacramento do batismo, o que só veio a ocorrer quando eu já tinha uns 17 anos, juntamente com a crisma, quando eu já morava há mais de 7 anos em Maceió.

Mas, voltando àqueles tempos de criança, quando minha mãe nos levava à missa, um fato inusitado do qual me lembrei recentemente me fez escrever este artigo para contá-lo aqui.

Naqueles tempos, a parte que mais me chamava a atenção, era a hora da comunhão. Eu achava curioso as pessoas se levantarem de seus lugares silenciosamente de forma respeitosa, e rumarem ao altar onde receberiam a hóstia para, depois, como que em transe, voltarem aos seus lugares onde se ajoelhariam e balbuciariam alguma coisa silenciosamente, alguns apenas mexendo dos lábios, outros absolutamente silentes e imóveis, apenas com as mãos juntas em posição de oração. Essa era a forma superficial que eu concebia aquele momento da missa.

Na minha curiosidade infantil, eu ficava a me indagar: "Que gosto deve ter aquela coisinha branca que o padre coloca na boca das pessoas?" E esse não era o único mistério que eu queria desvendar. Eu também ficava tentando adivinhar o que o padre dizia quando entregava a hóstia! "E o que as pessoas respondem?" Eram perguntam sem respostas em demasia para uma criança curiosa como eu, e que eram conhecidas pela pessoas que, por algum motivo que eu desconhecia, entravam naquela fila!

Assim, até o porquê de algumas pessoas não entrarem na fila da comunhão era uma interrogação atroz para mim, criança curiosíssima! "Qual era o critério para entrar naquela fila?", eu me indagava.

Mas eu sentia que aquele momento era um momento sério, especial. Também percebia que nem todos iam para a fila da comunhão- e não entendia o porquê.

Num certo domingo, em especial, eu cheguei à igreja decidido a desvendar esses mistérios, dissipar minhas dúvidas e descobrir as respostas para minhas perguntas sobre aquela parte da missa: eu decidira ir à missa com o propósito de entrar na fila da comunhão, receber a hóstia, escutar o que o padre dizia ao entregar e o que as pessoas respondiam!

Naquela noite dominical, enquanto minha mãe assistia à missa, eu e outras crianças nos dispersávamos inquietas, mas sem produzir ruídos suficientes para perturbar o andamento da missa. Jasson Gonçalves, meu colega de bancos escola, já era uma experiente criança católica, devidamente batizada, e se encontrava na missa naquela noite.

A missa rolava quando finalmente chegou a hora da comunhão. Sem advertir minha mãe e sem ser contido, entrei na fila. Comportei-me como os adultos e jovens que também estavam na fila cantarolando a música que dava ritmo ao fluxo dos fiéis.

Sentindo que estava fazendo algo que não deveria fazer, eu achava que as pessoas que sorriam para mim enquanto eu passava, estavam sabendo de minha traquinagem. Parecia que algo estava escrito em minha testa. Cheguei até o padre, recebi a hóstia, repetindo o ritual dos demais integrantes da fila que me antecederam.

Satisfeita minha curiosidade, eu, achando-me o máximo, apressei-me a contar o meu feito a Jasson, esperando causar-lhe impacto com minha "façanha". Esperava eu que ele vibrasse, ficasse com inveja ou quisesse fazer o mesmo. Mas o efeito foi devastadoramente aterrorizante, pois Jasson, tão logo lhe confidenciei o que tinha feito, saltou com os olhos arregalados e bradou:

“ISSO É UM PECADO MORTAL! Você é doido? Você nem é batizado ainda!”.

Se o termo "pecado" já é forte, imagine um PECADO MORTAL, dito assim com uma intonação armagedônica de Jasson! Aquilo me causou calafrios e aniquilou aquele meu "feito extraordinário".

Pensei que Deus fosse me castigar ali mesmo! Quase me urinei de terror. Naquela noite eu não dormi direito, imaginando como seria ter que enfrentar as consequências de meu "pecado mortal".

Mal sabia eu que, até para essas coisas, Deus, em sua infinita misericórdia e inteligência, estabeleceu que as crianças, mesmo aquelas danadas como eu, eram bem aventuradas e teria o reino dos céus!

"Deixai vir a mim as crianças, porque delas é o Reino dos Céus (Mt 19,13-15)". Ufa! Ainda bem, Senhor!


VOLNEY AMARAL

Comentários