MEU CINEMA PARADISO


É absolutamente indescritível a emoção que se abateu sobre mim, ao assistir pela primeira vez esta obra cinematográfica que é considerada o melhor “Filme Estrangeiro” de todos os tempos. É improvável que você não o tenha assistido ou ouvido falar em “Cinema Paradiso”, uma produção fraco-italiana (talvez fosse melhor dizer ítalo-francesa) de 1988.

O filme conta a história do cinema de nome Paradiso, localizado em uma pequena cidade da Sicília (Itália) em que um dos personagens que protagonizavam a história, Alfredo trabalhava operando na projeção dos filmes.

É impossível deixar de comparar, de uma certa forma, a história contada no filme com uma parte da minha história, da minha vida de criança, pois vivi, entre os anos de 65 e 70, um pouco da vida do outro protagonista do filme, o garoto Totó (Salvatore), com quem me identifico nesse paralelo de destinos.

Pão de Açúcar, apesar de uma cidade pequena, já chegou a ter dois cinemas, funcionando simultaneamente, e meu pai era o proprietário de um deles: o Cine Globo.

Da sala de máquinas, vamos assim chamar, o cinema projetava filmes em duas máquinas de projeção com bitolas de 35mm (largura da fita ou película).

A inventividade de meu pai, por muitos carinhosamente apelidado de Professor Pardal, chegou ao ponto de ele construir no cinema um sistema de ventilação subterrâneo que ventilava um ar fresco no ambiente da plateia dos filmes, providência muito bem-vinda na Pão de Açúcar que ostentava a fama de ser uma das cidades mais quentes do nordeste!

As cópias dos filmes a serem exibidos chegavam de ônibus, geralmente vindos de Santana do Ipanema ou de Maceió, locados à rede de cinemas e distribuidora Luiz Severiano Ribeiro. Eram tambores metálicos pesados que continham os enormes carreteis, também metálicos, que compunham o filme.

Na sala de projeção, que ficava por trás das cadeiras do pavimento superior do cinema, havia, basicamente, as duas máquinas projetoras, uma mesa de apoio e uma cadeira. Havia, também, um rebobinador de carretéis, pois o filme, ao ser exibido, era bobinado na ordem contrária na máquina de projeção e exigia que fosse rebobinado novamente para ficar na ordem correta de projeção, sem o quê, na próxima vez, seria projetado de trás para a frente.

Havia, ainda, um negócio que eu adorava mexer: era um aparelho que dava os sinais sonoros avisando que a projeção iria começar, para a vibração e reboliço da ansiosa plateia. Vez por outra, meu pai me deixava operar aquilo e eu me sentia o cara! “Ding... dong... dung...” fazia o som espaçado daquele equipamento a cada alavanca que a gente acionava! Nesse momento um empregado se posicionava para proceder ao descerramento das pesadas cortinas vermelhas, revelando a grande tela branca, e fazendo cada um se ajeitar nas carteiras e se voltar para a frente. O espetáculo iria começar!.

Desde pequeno passei a entender como funcionava a maravilhosa invenção dos irmãos Lumière. A fita (película), composta de milhares de fotografias (fotogramas) tiradas a uma taxa de 24 quadros por segundo, era tracionada de um carretel a outro, por entre uma série de polias e roldanas, algumas dentadas, passando por uma moldura.

Entre a passagem de um fotograma para o outro, a máquina aciona uma espécie de diafragma que interrompe momentaneamente a incidência do feixe de luz no fotograma, dando um efeito estroboscópico (ou de piscar). 

Nossa visão guarda a imagem por uma fração de segundo mesmo quando fechamos os olhos e, a essa velocidade, só enxerga quando o fotograma seguinte é iluminado na posição exata que passa pela moldura, e assim por diante. A passagem frenética da película pelo quadro é que dá aquele som característico que se assemelha ao som de um motor a Diesel trabalhando.

Essa fonte luminosa usada para a projeção dos fotogramas na tela era produzida pela queima de uma espécie de cartucho de carvão mineral, cujo formato se assemelha a uma bala de fuzil, e era de uma luminosidade e calor muito intensos. Não era raro, o filme parava enganchado nas polias dentadas que impulsionava a película, de forma que o calor intenso da luz do cartucho queimava e derretia a película parada à sua frente, dando aquele efeito bolhoso que se via na abertura da novela “No Escurinho do Cinema”, da Globo.

Quando isso ocorria (quebra da película), era um Deus-nos-acuda, pois a película tinha que ser imediatamente emendada, operação geralmente feita de forma nervosa e ansiosa, pois a plateia imediatamente começava a expressar seu desapontamento com gritos e vaias: "Quero meu dinheiro!", "Eu paguei para ver o filme".

Não sei quantos filmes eu assisti naquela parte de minha vida, mas, certamente, foram mais de cem filmes, dentre os quais destaco os clássicos Dio Come Te Amo, Doutor Jivago, os cowboys Django, Ringo, ou os cowboys estrelados por John Wayne, Audie Murphy, Roy Rogers, Clint Eastwood, os filmes de épicos como Ben-hur, a trilogia Spartacus, ou comédias d'Os Três Patetas, Carlitos (Charles Chaplin), o Gordo e o Magro, os filmes de "capa-e-espada", dentre tantos outros.

As projeções eram em dois formados de tamanho: o formato padrão e o formato “cinemascope”, que alongava a imagem horizontalmente para caber no telão inteiro (widescreen), para o deleite da plateia.

Os filmes que iriam ser projetados na história do filme “Cinema Paradiso” eram previamente censurados pelo pároco da cidade, que mandava cortar as cenas, então tórridas, de um simples beijo, o que era o suficiente para o personagem Alfredo marcar a fita para o corte. Nudez? Nem pensar! 

Os filmes do meu cinema Paradiso (Cine Globo) já vinham com um certificado de censura que era mostrado antes do início da exibição da obra - coisas da ditadura!

Nos filmes que eu assistia no meu cinema Paradiso (Cine Globo) de Pão de Açúcar, um simples beijo na boca era motivo para uma ereção e, imagino hoje, para deixar as mocinhas com a sensação correspondente, sensações essas que a televisão infelizmente destruiu, gradativamente, ao banalizar a exibição do sexo na telinha!

Que saudade daqueles tempos de criança, do cinema, dos espectadores comentando as cenas em frente às tabuletas publicitárias espalhadas por algumas esquinas da cidade, ou repetindo os gestos das lutas e das cenas do filme que acabaram de assistir! 

Nas minhas lembranças ainda consigo ver as pessoas paradas em frente aos cartazes e tabuletas dizendo: “Lembra desta cena aqui?...” apontando para o cartaz do filme, “... é naquela hora que o mocinho dá um golpe e derruba o bandido...” e assim por diante.

Com o passar dos anos, as salas de projeção foram, aos poucos, deixando de existir em grandes ambientes, dando vez aos complexos de salas dos shopping centers. Hoje, as ricas igrejas evangélicas compram esses ambientes com muita facilidade e os transformam em templos donde sai muito dinheiro para construir novos e luxuosos templos megalômanos.

Aos que amam o cinema, como eu, amor esse magnificado por minhas lembranças de infância, o filme “Cinema Paradiso” é como bem diz a intencionalmente ambígua chamada constante do trailer comemorativo de seus 25 anos de lançamento: “For those who've never seen it and for those who've never forgotten it. Discover the love of a lifetime!” (Para aqueles que nunca o assistiram, para queles que jamais o esqueceram. Descubram o amor de toda uma vida!”).

"Ouçam! A sirene (como de uma fábrica) está tocando e é ouvida em quase toda Pão de Açúcar. É o sinal de que dentro de algum tempo vai começar mais um espetáculo da sétima arte!" 

Que nada! São só minhas alucinações, minhas lembranças, reproduzindo em minha mente imagens e sons de um tempo que não voltará jamais!


VOLNEY AMARAL

Comentários

  1. Fantástico Volney. O cinema é algo que me toca muito fundo em minha vida. Vinda de uma cidade que tem como tradição vários cinemas magnificos que hoje ja nem existem mais, sao templos religiosos, shopings, etc... Eram construcoes fantasticas, salas maravilhosas e que hoje substituiram pelo Cinemark , cineisso, cine aquilo. Tendo o incentivo de quase a totalidade da familia para o cinema que quando nasci era suceso os seriados no cinema em preto e branco. Desde criança de colo o cinema me fascina. Me lembro ate hoje do nome desse cinema que minha mae me levava para assistir os seriados e ate cinema mudo.Todos chamavam "Seu Ortega" e no final de semana era a diversao da cidade ir ao "Seu ortega" onde a tela era um pano na parede e as cadeiras de madeira acabavam com a coluna de qualquer um, rsrsrsrs... As vezes a tela caia e as vezes o filme queimava, fazia parte de nossas emocoes. O beijo que voce citou acima era arrasador para a plateia. Ahh filmes maravilhosos eu assiti e que hoje estao rareando. Fantastico suas lembranças, obrigado por avivar as minhas. Beijos. Irene

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  2. Há muito tempo, eu conheci um rapaz com esse mesmo perfil.
    Hoje, ele é conhecido como TATÁ - (Apelido carinho de um tarado).
    Vejam bem: Tarado por cinema. É claro.

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  3. Muito bom! Certamente muitos de nós encontramos aqui a identificação de sua lembranças. Neste caso, lembranças preciosas enriquecidas pelas explicações técnicas de com as coisas aconteciam. Quantos de nós temos a memória recheadas com estes pedaços de passado e nos emocionemos tanto ao nos encontrarmos nas emoções destes relatos. Muito obrigada por nos ajudar a reviver, a recordar... muito bom as recordações...

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