“LADRÃO!” NÃO É LADRÃO!


Frequento jogos de futebol desde os 12 anos de idade. Desde aquela época sempre foi comum a torcida se manifestar com gritos de ordem, xingamentos e até ameaças contra os jogadores do time adversário e, principalmente contra o juiz!

Quantas vezes os juízes não foram taxados de “Ladão! Ladrão!”, ou desse predicativo mais cruel de envolver parentes seus: “FilhadaPu-ta!, FilhadaPu-ta”, gritado com esta separação silábica e a plenos pulmões. Xingamentos que mencionam a sexualidade do juiz ou de jogadores, também são comuns. E os conselhos que os torcedores dão? “Ei, juiz, vá tomar no cu!”. Perdoem-me o uso desta linguagem escrita inadequada para um artigo - que se pretende sério - que somente nos soa comum e usual em estádios de futebol. É exatamente sobre isso que resolvi me manifestar!

Futebol é um sistema que tudo que ali ocorre é próprio desse sistema e fora do mundo genérico em que vivemos: sua linguagem própria, seus “deuses”, os tipos humanos, todo o teatro que envolve a imprensa, as polêmicas, as teorias futebolísticas mirabolantes, os esquemas táticos inexequíveis. Futebol é outra coisa, embora convivamos com isso!

Futebol só é e só deve ser levado como coisa séria dentro de seu próprio contexto, de seu próprio mundo mítico (ou místico) e imaginário. Como qualquer outro esporte, não é nem deve ser considerado algo pelo que se deva morrer ou matar! Deve ser encarado como uma forma moderna e contemporânea de se digladiarem os oponentes, sem ser necessário ninguém sair morto da contenda, como eram os embates entre gladiadores em tempos antigos.

Chamar uma partida de “mata-mata”, não implica em um comando para que se cometam homicídios! Chamar o juiz de “ladrão” não significa a clássica definição de que o árbitro subtraiu, para si ou para outrem, uma coisa móvel. Quando se urra “Filha da Puta”, ninguém está sequer mencionando ou se lembrando da honestidade da mãe do árbitro! O gênero (filha) sequer se aplica a isso! Isso são coisas próprias da linguagem e da cultura do futebol. Transportar isso para o nosso mundo civilizado e racional é um erro!

A rivalidade deve ser tratada de forma natural, não passando de um instrumento de zombetear, de procurar tirar a concentração do jogador adversário, de forma que ele não produza tão bem e se desestabilize, passando a cometer erros que beneficiarão o time adversário. É uma maneira que o torcedor tem de extravasar suas frustrações, suas derrotas pessoais do dia a dia e, se vitorioso seu time, voltar para casa menos frustrado.

Tudo passa pela assunção de que, em uma partida de futebol, assim como em outros esportes, um lado não precisa tratar o lado adversário como inimigo, muito menos “inimigo mortal”!

A não assunção dessa premissa é, talvez, a circunstância que elevou um mero divertimento domingueiro de ir a um estádio de futebol com a família, em um congresso de facções que exultam a violência e o crime. 

Sou contra qualquer forma de racismo. Afinal, descendemos mesmo dos macacos, segundo a ciência. Mas temos que entender que aquela jovem estava ali, movida pela inconsequente turba, tentando apenas desviar a atenção do arqueiro do Santos, desestabilizá-lo emocionalmente – de uma forma cruel e lastimável, é bem verdade - com o intuito de transformar sua atuação, a té então impecável, de forma a beneficiar o Grêmio. Esquecia-se ela, inclusive, que em seu time há negros muito mais negros, no entanto mais craques.

Como se explicar uma atitude como essa senão pelo contexto que nos transporta do mundo real para o mundo do futebol, e transforma o sentido de tudo? “Macaco, Macaco!” deve ser entendido dentro desse contexto.

Não aprovo a atitude de xingar "Macaco, Macaco!", mas procuro entendê-la pela forma menos odiosa possível. Apenas a lastimo. Isso não autoriza ninguém a se tornar um bárbaro!

Não podemos nos transformar em uma entidade com o poder de julgar e condenar ninguém, salvo se não tivéssemos pecados e, ainda por cima, fôssemos o próprio Deus!

VOLNEY AMARAL



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