PEDIDO COMOVENTE

Em 1994, já casados, mas ainda sem filhos, pusemos uma barraca de camping e umas mudas de roupa na mala do carro e saímos, eu e Lu, numa turnê epopeica de 8.000 km. Percorreríamos o sertão da Bahia, o Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Brasília, e voltaríamos, novamente pela Bahia, Sergipe e, finalmente, Alagoas.
Uma das passagens que se tornaram indelevelmente marcadas em minha memória ocorreu no árido sertão da Bahia, na região entre Jeremoabo, Ribeira do Pombal e Jorro.
Naquele pedaço do tórrido sertão nordestino, nossa viagem se transcorria tensa e cansativa pelo calor abrasador e a estrada terrivelmente esburacada.
Havíamos nos equipado de um pequena caixa térmica suprida com água mineral que ainda se encontrava bem fria e copos descartáveis em que, naquele momento, sorvíamos generosos goles.
A paisagem, cuja monotonia de cores da vegetação caatingueira somente era quebrada pelo acanhado verde de esparsos juazeiros que abrigavam à sobra algumas esquálidas rezes cansadas e sedentas, era desoladora.
Em alguns trechos da estrada víamos sertanejos tentando ganhar algum trocado, uma moeda que fosse, tapando os buracos da estrada com pás de piçarra e gesticulando por alguma recompensa em dinheiro.
O sol, de tão inclemente, fazia a imagem da paisagem ondular quanto mais próxima da linha do horizonte estivesse.
Resolvemos parar junto a um desses tapadores de buracos ante seu gestual pedido.
Ele, um rapaz aparentando uns 15 anos, suado e empoeirado, aproximou-se do carro pelo meu lado e, quando viu Lu tentando catar algumas moedas para lhe dar, nos surpreendeu com um pedido dramático:
"O senhor pode me dar um copo d'água em vez de dinheiro?"
Aquilo me marcou para o resto da vida. Após aquela cena, nossa viagem, até bem pouco recheada de conversas, foi de um longo e reflexivo mutismo.
VOLNEY AMARAL

"Fun is the one thing that money can't buy"
(Lennon & McCartney in 'She's leaving home')

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