A BOA MÁ NOTÍCIA

Ainda hoje, em alguns lugares de costumes mais conservadores, ser mãe solteira/pai solteiro, ou divorciado(a) é algo visto com algum preconceito, estigma ou reserva. Mas até os anos 80, os valores sócio-culturais que recaíam sobre homens e mulheres que ostentavam essa condição eram ainda mais depreciativos e estigmatizantes.

Tanto as mulheres quanto os homens nessa condição não eram bem aceitos pela família do namorado ou namorada que arranjassem. Ser mãe solteira ou pai solteiro era um estigma difícil de ser suportado. Muita gente costuma esconder essa verdade dos outros até se firmar no seio da família do outro com quem se relaciona com pretensões mais sérias.

Há cerca de 20 ou 30 anos, família nenhuma que se prezasse aceitaria, de bom grado, uma filha sua namorando com um cara desquitado, divorciado ou um pai solteiro. Vivi um pouco desse estigma e de suas consequências, pois em janeiro de 1986 fui noticiado da gravidez de minha filha Anne, que veio a nascer em outubro, hoje com 26 anos.

Eu estava prestes a virar pai solteiro quando, em agosto de 1986, conheci Lu, aquela que viria a ser minha esposa até os dias de hoje: a já famosa Lu, a Luciane que tanto menciono em meus artigos (e que tanto amo). Poucos dias após o nascimento de Anne, Lu e eu começamos a namorar havia apenas 12 dias.

Como pai solteiro, eu me sentia inquieto e incomodado com aquela situação, então irremediável, pois eu tinha que contar para Lu sobre aquilo, mas eu temia sua rejeição, ou uma reação preconceituosa que viesse a inviabilizar nosso namoro neonatal. Eu era um pai solteiro, e já não tinha lá boa fama com relação a relacionamentos, mas estava mergulhando de cabeça naquela paixão que se abateu sobre nós e que tanto repercutiu em mim - até hoje. 

"Preciso contar para a Lu que sou pai solteiro!" Esse pensamento me martelava o juízo. Mas a dúvida de como seria recebida essa notícia me angustiava. "Será que ela vai entender?", "E se ela acabar o namoro?" Eu me martirizava com essas auto-indagações, mas eu tinha que revelar isso a ela.

Eu não queria iniciar um relacionamento que se mostrava tão forte e tão ardente guardando um segredo tão sério, para não ser acusado de prática de propaganda enganosa! Ela precisava saber quem eu era na sua total extensão. Então, contar que eu acabara de me tornar pai solteiro era a primeira coisa que eu tinha que fazer.

Então eu me pegava ensaiando como eu iria dizer. Por fim, pus meu plano de revelar esse meu grande segredo. Iniciei dizendo que queria conversar com ela sobre um assunto muito importante. E ela, curiosa, passou a me indagar: "Sobre o quê?" e eu economizava na revelação: "Olhe, é um assunto muito importante". Finalmente marcamos de sair especificamente para falar sobre esse assunto tão importante. Ela me apanhou de carro e rumamos para o comecinho da Pajuçara, nas imediações do estacionamento em frente ao CRB.

"E aí, o que é isso tão importante que você quer me dizer?", perguntou-me Lu, quando paramos o carro. E eu, nervoso, resolvi fazer mil arrodeios: "Olhe Lu. Eu tenho um negócio muito importante para te contar!". "Sim, isso você já me disse. Sobre o que é esse assunto tão importante?", perguntou-me Lu. E eu gaguejava, suava, andava em círculos na conversa: "Olhe, é sobre algo que aconteceu comigo". 

A cada revelação parcial ela ia juntando as peças do quebra-cabeça que montei e se tornando cada vez mais curiosa e apreensiva. "Deixa prá lá. Não é nada não", desistia eu. "Vai, menino conta! Agora você me deixou curiosa"

E eu ia soltando mais pedacinhos do meu segredo aos pouquinhos: "É sobre mim." "É sobre você. E o que é sobre você?", ela já ficando impaciente e temerosa. Eu já fazia meus cálculos mentais: "Acho que ela já tá sacando". E eu avançava mais um milímetro: "É... é... algo muito, muito sério". A apreensão de Lu era visível: "Você tá me deixando apreensiva e curiosa, desembucha logo, Fofão!" (gostou dessa? "Fofão" era como ela me chamava. "Fofão era de fofo mesmo não era de gordo não, viu?)

A conversa já ia com quase meia hora de duração e nada. Eu tomava fôlego, criava coragem de dizer assim de uma vez só, mas não saía tudo. Eu só deixava escapar umas indiretas, umas dicas. Nossa conversa ficou parecendo uma charada. E eu avança a passos de tartaruga: "Foi algo que aconteceu comigo, no meu passado...!" "De que você está falando? O que aconteceu com você no passado que você não pode me contar logo e tá aí com esse medo todo?"

"Não...Olhe, Lu, foi algo que aconteceu comigo que eu não posso mudar e desfazer; e que você  vai ter que me perdoar e me aceitar assim... a gente vai ter que conviver com isso pro resto da vida. Se você gosta mesmo de mim, você vai entender e vai me perdoar." Esse foi o mais circunstancial avanço em minha dramática revelação.

É óbvio que essas revelações parciais começaram a causar, verdadeiramente, uma preocupação em Luciane. Eu já tinha como certo que ela matara a charada pelo seu nervosismo e ansiedade.

"Como assim, Fofão?", perguntou ela, já franzindo as sobrancelhas. Achei que ela já estava quase fechando o diagnóstico do que eu estava a prestes a revelar, porque a cada fração de minha revelação ela passou a adaptar à sua linha de raciocínio. "É algo que tem a ver com sua situação pessoal de homem?"

"É....", disse-lhe encolhendo-me e enterrando-me todo no banco de seu Chevette azul.

Finalmente, eu cheguei ao fim de meus arrodeios e lhe revelei. "Olhe, espero que você me compreenda e não acabe o namoro comigo por esse motivo. A gente pode superar esse preconceito..." Não sei como tive coragem, mas acabei com o mistério dizendo: "Eu sou pai solteiro; de um bebê que nasceu há 12 dias!".

Eu já esperava que ela me desse a sentença capital, algo como: "Olhe, não dá para a gente namorar, não." E ela, ao saber disso, fechou os olhos, tomou uma respiração de pulmão cheio topado e foi soltando o ar pela boca, "Ai, meu Deus!"... disse ela quase suspirando. Eu franzi a testa de tenso. E ela completou: "...Que notícia boa!" disse-me Lu, aliviada: "Pelo suspense, pelo arrodeio e pelas coisa que você disse antes, pensei que você ia me revelar que era bi-sexual ou gay! Já estava ficando desesperada!".

Na boa: meu lado feminino existe, mas é lésbico! eh, eh, eh... Só depois de sua resposta é que eu percebi que, na forma que eu a preparei para receber aquela notícia cabiam várias linhas de raciocínio e interpretações!!! 

Agora é sério. Você não precisa tratar de forma diferente as pessoas que carregam em seus ombros a condição de ser diferente, amar diferente, ter prazer diferente de você e dos outros. Basta que você entenda  que a forma que cada um escolhe para viver, se vestir, amar, fazer sexo ou falar, tem um único objetivo: ser feliz. Não atrapalhar essa busca do ideal de felicidade já ajuda bastante!

VOLNEY AMARAL

Comentários

  1. Nada melhor que a sinceridade num momento como aquele enfrentado por você. Já pensou ela descobrir isso pela boca de outras pessoas ou por você 1,2,3... anos depois? Talvez ela não teria a mesma reação que teve lá em 1986 como foi citado no texto acima.

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  2. Mais um thriller do Cronista das Alagoas. Por alguns momentos pensei que você ia revelar ser um ex-gay curado pela Igreja Universal. E que a Lu ia dizer: "Pode ir parando por aí mesmo que eu não quero nem saber dos detalhes sórdidos e tchau e bença".
    PS - 1: Uma antiga namorada me chamava de "fofinho". Em público. É bem pior do que fofão. Talvez por isso ela tenha virado ex rapidinho.
    PS - 2: Estou de passagens compradas para nosso vinho no Palato em setembro.

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    1. KKKKKK! Luiz Carlos, você é impagável! KKKKKK! Valeu KKKKK. Ainda quero contar aquela sua história do hospital. É ótima! kkkk

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  3. kkkkkkk, que sufoco amigo, mas no final só bençãos de Deus.
    sua filha amada e o amor de Lu!!!!!

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  4. Foi um alívio mesmo, pois já pensou o meu FOFÃO ser uma fofinha? kkkk. A transparência é mesmo algo fundamental a qualquer casal. Ponto para você. Te amo, meu amor.

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