O QUERERES DOS ADVOGADOS


Fui indagado, recentemente, por um colega advogado sobre a “incoerência” da OAB em "defender tanto a democracia” mas manter a eleição indireta para presidente do Conselho Federal.

À prima facie, isto pode realmente se configurar uma total incoerência. Seria a materialização do “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.”

Pelo gosto do debate, trago algumas ponderações acerca desse assunto, ciente de que corro o risco de ser apedrejado. Mas ofereço a cara à tapa. Afinal, quando inaugurei este blog, eu prometi dar meus pitacos em muita coisa.

A primeira constatação que fazemos é a de que esse assunto da “incoerência” da OAB , vez por outra (leia-se: em época de eleições da OAB), alguns candidatos ou seus arautos, bradam essa bandeira da “democracia plena” em nossa instituição.

Muitas das vezes, isso se motiva pela comparação entre duas coisas absolutamente distintas: de um lado, a democracia de Estado, partidária, pela qual escolhemos nosso presidente da República e, do outro, o processo pelo qual escolhemos a presidência do Conselho Federal da OAB.

Note-se, logo, que, no caso da OAB, o presidente que é escolhido indiretamente na OAB não é o Presidente “da OAB”, mas “do Conselho Federal da OAB”. O presidente do Conselho Federal não é o todo-poderoso presidente “dos advogados”, mas de um órgão colegiado, este eleito diretamente por nós e com poderes e atribuições distintas, sem falar em sua autonomia, como órgão.

No caso do ponto de vista dos advogados alagoanos, a defesa dessa “democracia plena” é ainda mais insana. Como funciona a coisa? Nós, advogados, escolhemos os conselheiros federais pelo voto direto, e estes, uma vez empossados, escolhem o Presidente do Conselho Federal, em fevereiro do ano seguinte.

Em termos numéricos e representativos, o Conselho Federal se assemelha ao Senado da República: cada Estado da Federação possui uma bancada de três Conselheiros Federais; os votos são tomados por bancada. Alagoas é um voto, Rio Grande do Sul é um voto, São Paulo é um voto, e por aí vai...

Isso significa que, no sistema “incoerente” atual, o nosso pequenino Estado de Alagoas tem a mesma força que o Estado de São Paulo, ou do Rio de Janeiro, ou Minas Gerais! A democracia plena para a eleição direta do Presidente do Conselho Federal (e não da OAB, como equivocadamente falam) e que é defendida por alguns, sem muita reflexão, a tornaria, por incrível que pareça, um tiro de 12 no pé, um gol contra!

Seria isso a realização das incoerências tão bem expressadas pelo gênio Caetano Veloso em uma de suas obras primas "O Quereres"?

"...
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês
..."

Vale dizer que, proporcionalmente, nós, que somos meros 12 mil advogados alagoanos (chegamos a cerca de 6.000 votantes), escolhemos, com muito mais representatividade de que os paulistas (cerca de 300.000 advogados?) as 3 pessoas que, em igualdade de condições e poder que os paulistas, nos representarão no Conselho Federal e lá escolherão, por nós, ainda que indiretamente, o presidente do Conselho Federal, órgão maior de nossa estrutura administrativa!

Por conta do sistema eletivo atual, a OAB de Alagoas tem tido uma razoável influência nos últimos 18 anos, no Conselho Federal.

Que compromisso com estados com pouca representatividade como Alagoas ou Sergipe, dentre outros, terá um candidato elegível apelas pelo voto bairrista de São Paulo, por exemplo?

Agora imaginem, colegas advogados, os gastos com eleições presidenciais DIRETAS para o Conselho Federal da OAB! Imaginem os candidatos (obviamente de escritórios poderosos e ricos) se deslocando em jatinhos para fazerem suas campanhas pelos estados da federação!

O Conselho Federal, esse sim, já se encontra devidamente formado pelo voto direto dos advogados seccionais. Não poderia ser diferente. É no âmbito das Seccionais que as relações são mais estreitas, e que o conhecimento dos profissionais que atuam em cada Seccional é mais largo.

Já ouvi muita asneira contra nós, os estados pequeninos, pobres, sem representação numérica. Certo dia alguém andou sugerindo que Estados pequenos deveriam voltar a ser territórios federais!

O fato de a democracia ser indireta não lhe tira, no caso da OAB, o valor democrático. Quem, de sã consciência e de profunda reflexão aprova a participação dos analfabetos no colégio eleitoral nacional? O custo-benefício de dar à democracia uma abrangência infinita leva as coisas a proporções, às vezes, caóticas.

Por fim, não vamos esquecer, logo nós, advogados, que a eleição indireta para presidente do Conselho Federal da OAB é estabelecida pela Lei 8.906/94, votada por quem escolhemos (diretamente): os deputados e senadores. Ou seja, ela é, em última análise, nossa vontade expressada por uma maioria de legisladores que escolhemos pelo voto direto.

Aí, a incoerência é nossa. Nós escolhemos deputados e senadores para votarem as leis e não aceitamos o resultado da nossa própria escolha!!!??? Nós os escolhemos, eles votam a lei 8.906/94 que estabelece eleições indiretas para a presidência do Conselho Federal da OAB e a gente não aceita o resultado de nosso própria exercício de democracia plena (através do voto)?

Democracia plena, mesmo, seria cada um de nós votar cada lei, cada medida provisória, cada Emenda Constitucional. Democracia plena, mas plena, mesmo, seria a gente deixar nossos filhos votarem para escolher a marca do próximo carro da família, a grife das roupas que compraremos para eles vestirem no próximo verão, a obrigatoriedade ou não de eles frequentarem a escola... Complicado isso, não? Complicado, não: relativo!

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor!

VOLNEY AMARAL

Comentários

  1. Volney, seu arrazoado a respeito da eleição direta para presidente da OBA Federal, está corretissima. Obedece de fato, aos ditamos das eleições partidarias, nada de criação esdrúxula ou casuística, para atender o reclamos de pequeno grupo de colegas que insiste em criar fatos que pertuba a ordem natural das coisas e que não se compatilizam com a vontade da maioria da classe. Abraços!

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