BRASINHA

(Baseado em fatos reais)

Cães de estimação são complementos de nossas vidas. Trazem alegria, brincadeiras, companhia, interagem com as pessoas, trocam carinho e afeto com seus donos e amigos. Exigem atenção e cuidado, também. É verdade que, eventualmente, transmitem doenças e perigos também. Mas nisso os seres humanos as vezes não diferem muito dos cães.

A diversidade e multiplicação de raças de cães é uma coisa que se tornou popular nos últimos tempos. É como carro: antigamente só existiam os da marca Ford, Volkswagen e Chevrolet, da mesma forma que só existiam pastores alemães, pequineses e vira-latas. 

De uns tempos para cá, com o avanço da indústria automobilística asiática, Japão, Coreia e China entraram fortes no mercado e, em consequência, surgiram tantas novas marcas e modelos de carros quanto raças de cães! 

Advinhem qual era a raça de nosso cachorro de estimação? Isso mesmo: tínhamos um nobre, tradicional e respeitável vira-lata com pedigree. Era um macho, de cor preta, estatura baixa, com uma mancha branca no peito. Nós o chamávamos de Brasinha! Ele adorava minha mãe e era muito apegado a ela.


Foto ilustrativa
Em nossa pequena Pão de Açúcar, Brasinha acompanhava a gente nas peladas, nos banhos de rio, nos piqueniques. Era conhecido e querido também por muitos nossos amigos e amigas.

Aos domingos, nossa mãe ia sempre à missa na matriz e, invariavelmente, nos levava com ela, pelo menos nós, seus filhos mais novos. E, para ir à missa, minha mãe tinha que prender Brasinha, porque, senão, ele certamente a acompanharia até o interior da igreja.

Naquele domingo, como de costume, minha mãe nos aprontou e partimos com ela para a missa. Não sem antes nos lembrarmos de prender Brasinha que, ao notar nossaa movimentação diferente em casa, com mamãe nos vestindo uma roupa dominical, nos penteando e perfumando com Alfazema, devia estar pensando, em sua inteligência canina: “Ela vai sair de novo! Eu quero ir também.” Ele expressava isso em seus latidos característicos dessas situações e na inquietude de seu vai e vem até a porta da frente da casa.

Com Brasinha tapeado para não nos ver saindo, rumamos nós à missa, deixando ele para trás, aos cuidados dos que ficaram em casa. Na igreja lotada, acomodamo-nos mais ou menos na 5ª fileira da frente. Minha mãe sentou-se na extremidade interna da fileira que fica na pista do corredor central da igreja.

Em casa, Brasinha, agora ciente de nossa ausência, inquieto e já desgostoso de não ter sido incluído no séquito que fora à missa hebdomadária, corria para cima e para baixo, latindo, grunhindo, querendo estar junto de minha mãe. Mas os que ficaram em casa não deram muita trela para suas súplicas. 

De repente alguém deu uma vacilada e, ao abrir a porta, permitiu que Brasinha se esgueirasse fugisse rua acima num pique alucinado. Só me resta descobrir, agora, onde ela está. Mas isso é muto fácil com o uso do meu olfato”, deve ter pensado nosso vira-lata legítimo.

Na missa, que já andava do meio para o fim, o padre seguia fielmente a liturgia daquela época: “O senhor esteja convosco” e os fieis respondiam: “E contigo também!”. Lembro-me nitidamente que perto de nós uma senhora de nome Marimília (Maria Emília), muito simples e de poucos estudos, respondia dizendo "E contigo tombém!", dada sua limitação linguística. 

"Corações ao alto..." A missa seguia seu curso. O silêncio da audiência somente era quebrado pela fala do padre e pelas respostas que os fieis davam coletivamente, pois, naquele tempo, não havia bandas tocando e cantando nas missas e os cânticos eram bem menos que hoje. A essa altura, Brasinha já chegara à porta da igreja, farejando o rastro que minha mãe e nós deixáramos em nosso percurso.

Eis que, de repente, Brasinha, já convicto de que ali estávamos, adentrou a igreja troteando em direção ao altar pelo corredor central até encontrar minha mãe, olhar firmemente para ela, com uma orelha levantada e outra arreada, a abanar o rabo velozmente, esperando que sua dona o visse.

Minha mãe, ao perceber Brasinha, assustou-se e, como que prevendo o escândalo que Brasinha faria, decidiu fingir que ela não era Iolanda, sua amada dona, e que aquele cão não era o seu Brasinha. No fundo ela desejou que não o fosse mesmo.

Brasinha, não se conteve com a indiferença fingida de minha mãe e, em plena missa, soltou um latido, atraindo a si todas as atenções da missa! E minha mãe, morta de vergonha, permanecia com cara de paisagem, fingindo não entender o que se passava. Brasinha soltou outro latido. Como nada aconteceu, Brasinha se aproximou de minha mãe, rabinho batendo feito asa de colibri, e começou a lamber sua perna. E minha mãe a fingir sequer estar sentindo cócegas.

Mas, como eu já disse em outra ocasião, numa cidade pequena todos se conhecem. Eis que Sonja, uma amiga de minha irmã Dinah que estava sentada atrás de minha mãe disse, meio que sussurrando: “Dona Iolanda, esse é o Brasinha!!” E minha mãe, fazendo-se de surda, não querendo interagir nem com Brasinha nem com alguém mais, àquela altura, nem mesmo com padre, tentava, inutilmente, afastar Brasinha de perto de si empurrando-o para o lado com a perna esquerda, enquanto mantinha a cabeça firme olhando na direção do altar.


E minha mãe afastava Brasinha, e Brasinha parecia entender que ela queria mesmo era brincar. Aí, abanava o rabo mais velozmente e voltava para próximo de minha mãe, que repetia a rejeição àquele cãozinho enxerido.

A situação era hilária e lembrava aquela cena clássica do filme “O GAROTO” com Charles Chaplin (Carlitos), em que ele ganhava dinheiro consertando vidraças que a criança quebrava a mando dele, na parte em que o guarda começou a desconfiar do conluio entre a criança e Carlitos. (vejam o link para a cena abaixo)

Obviamente, isso desconcentrou a plateia de fieis e até o padre. Sem ter muito sucesso, minha mãe, muito sem graça e no limite do constrangimento, teve que sair da missa mais cedo naquele domingo.

Naquela noite, no caminho de casa, Brasinha levou tanto carão, sem entender, ao certo, o que provocara a ira de sua amada dona! E os que ficaram responsáveis pela retenção de Brasinha em casa aguardavam, sem saber, as penalidades que certamente receberiam de minha mãe por terem-na feito passar por tamanho vexame!

VOLNEY AMARAL

CENA DO FILME "O GAROTO" (Charles Chaplin - 1921)

Comentários

  1. Muito bom e muito bem narrada a sua história ,chamou-me a atenção,a descrição do cão,já que também tive um com as mesmas caracteristicas,os vira-latas,com certeza são os mais fiés,grande abraço !!!

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    1. Obrigado, Ronaldão, por sua visita a nosso blog. O Brasinha, nós tivemos que doar para adoção de uma vizinha amiga nossa quando nos mudamos para Maceió.

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