Ainda criança, talvez
folheando um exemplar da então prestigiadíssima revista “O
Cruzeiro”, deparei-me, pela primeira vez, com esta foto reproduzida
abaixo.
Foi a primeira vez que
eu li ou ouvi falar o nome de Nelson Mandela. Desde então eu me
comovi com sua história de vida e luta.
O tempo passava, os anos
passavam, as notícias revelavam a dinâmica da vida, mas aquela
imagem não passava. Era imutável, inexplicavelmente estática, sem
renovação, sem atualização. Assim mesmo: em preto e branco. E assim deveria ser pelo resto de sua vida, tendo em vista a pena de prisão perpétua que recebera.
Aquele homem, coitado, pensava eu, parecia fadado a apodrecer e morrer injustamente em sua
pequena cela de cerca de 4m², monótona, sem qualquer evento que
fosse perceptível em tempo real, senão um eventual voo de um
pássaro, visto de relance através de sua ventana, única ligação com o mundo exterior, ou a travessia de um inseto rasteiro, uma formiga, talvez, pelo chão de sua fria cela.
Ainda jovem, eu ainda
não entendia bem qual fora seu crime, ou o que significava apartheid, o cruel e absolutamente injusto regime de segregação racial
perpetrado por uma minoria esmagadora de brancos, contra uma maioria
esmagada de negros nativos em seu próprio país no extremo sul da
África.
E todos se indagavam:
“Como deve ser a imagem desse Nélson Mandela hoje?”
Com os anos, nós, aqui do lado de fora de sua cela, de sua
supostamente infinita prisão, acompanhávamos a lenta evolução do
clamor internacional. A Europa e os Estados Unidos bem que poderiam
ter intervindo de maneira mais enérgica para estancar aquela
tremenda injustiça, mas pouco faziam.
A consciência coletiva, movida pela evolução dos melhores valores humanitários, da tolerância e convivência harmônica, as vozes
dos intelectuais influentes, dos artistas influentes e das ruas é
que encorparam o coro em prol de sua libertação. E a frase de ordem
“Free Nelson Mandela!” começou a ecoar mais forte
em todos os quadrantes de nosso planeta.
Muitos não sabem, mas
nosso Djavan, no auge de sua carreira, chegou a incluir o Hino do
Congresso Africano, hoje parte do hino da África do Sul em uma de suas canções.(1)
Por que eu estaria hoje
falando sobre tudo isso? Assisti nesta semana o aplaudido filme
Invictus, com Morgan Freeman e Matt Damon no elenco e direção
de Clint Eastwood, tríade que, por si só, justificaria assistir
qualquer filme.
A película, montada em
cima de fatos reais, os quais confirmei em pesquisas posteriores, é
emocionante, sob todos os aspectos; não endeusa Mandela, mas
certamente no-lo revela diferente dos seres humanos comuns.
Por ter sido o ponto
mais marcante do filme, destaco os emocionantes versos do poema que inspirou o título do filme, no qual Nelson Mandela também teria se inspirado para manter firme sua
luta silenciosa, jamais inerte, sua resistência não-violenta,
contra aquela vergonha que a história jamais haverá de esquecer: o
regime do apartheid.
“INVICTUS (INVENCÍVEL)
(William
E. Henley)
Dentro da noite que me
rodeia, negra como um poço de lado a lado
Eu agradeço aos
deuses que existem por minha alma indomável
Nas garras cruéis das
circunstâncias eu não tremo ou me desespero
Sob os duros golpes da
sorte minha cabeça sangra, mas não se curva
Além deste lugar de
raiva e choro paira somente o horror da sombra
E, ainda assim, a
ameaça do tempo vai me encontrar - e deve me achar destemido
Não importa se o
portão é estreito; não importa o tamanho do castigo
Eu sou dono do meu
destino. Eu sou o capitão de
minha alma! “
Ter eu nascido na segunda
metade do Século 20, e ser contemporâneo a figuras como a de Nelson Mandela, dentre tantas outras, faz-me sentir uma
privilegiada testemunha da História.
Belo e emocionante como a Marselhesa, o hino francês que ganhou sua maior notoriedade após a Segunda Guerra Mundial, o hino sul africano é hoje em dia entoado(2) por negros e brancos de braços dados, graças à obstinação, resistência e ao caráter reconciliador que exalou Mandela em seus passos fora do cárcere, na busca de uma só nação, um só time.
"Nkosi sikelel' iAfrika
Maluphakanyisw' uphondo lwayo
Yizwa imithandazo yethu
Kkosi sikelela, thina lusapho lwayo"
No dia em que foi libertado do isolamento e da segregação da vida em sociedade, já com idade avançada e com a saúde debilitada, ao invés de liderar um contra-ataque, uma revolta, um revide, Mandela surpreendeu e até enfrentou seus pares negros mais vingativos, seus algozes e opressores brancos e o próprio mundo, e limitou-se a fazer o gesto emblemático da resistência negra: o braço erguido com punho fechado, sem incitar, no entanto, qualquer de seus seguidores à revanche. Depois, estendeu a mão à reconciliação nacional sul africana.
Com seu discurso e seus atos nobres, como nobre é sua origem tribal, com posturas e atitudes de perdão e de paz, Mandela veio a ser agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 1993, um merecido reconhecimento e, mais que tudo, uma espécie de pedido de perdão que a humanidade lhe dirigiu.
Obviamente a intolerância e o preconceito ainda não foram banidos do mundo. Resta a cada um de nós passar adiante esse ideal, através da correta educação de nossos filhos.
Obviamente a intolerância e o preconceito ainda não foram banidos do mundo. Resta a cada um de nós passar adiante esse ideal, através da correta educação de nossos filhos.
VOLNEY AMARAL
PARA VOCÊ SE ARREPIAR:
(1) MÚSICA DE DJAVAN
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