SORTE NÃO É PARA TODOS!

(Baseado em fatos reais)

Sirleide era uma das mais temidas professoras do Colégio Estadual de Maceió(1), quando ainda estudávamos o 1º ano do curso científico (hoje ensino médio). 

Extremamente disciplinadora, ensinava Ciências e dominava o comportamento  disciplinar da turma com mão de ferro. Seu estilo era daqueles que faziam uma turma prestar atenção a sua aula, não só pela qualidade da aula, em si, mas pelo seu rigor, sua exigência com o silêncio e a atenção dos alunos. 

Quando dizem que o boi sabe onde arromba a cerca, isso significa que, no caso da professora Sirleide, não tinha brincadeira nem contemplação. Você tinha que estudar ou estava seriamente fadado a ser reprovado. E, pelo menos isso, a pouca inteligência que tenho me alertou desde o início. Foi minha salvação! Eu poderia desleixar em outras matérias, não naquela da professora Sirleide. 

Como em toda turma de colegiais, os grupos de trabalho se formam conforme alguma afinidade, seja ela de gênero, de comportamento, de inteligência ou mesmo de irresponsabilidade, como era o mais comum. Eu, Cláudio Marinho(3), Henrique Gama, Ronaldo Barbosa, Egas Malta e Dagener formávamos um mesmo grupo sempre que os professores passavam trabalhos do gênero em quase todo o científico.

Quando a professora Sirleide passou um trabalho sobre "VÍRUS" para a turma, logo nos entreolhamos, como que já confirmando a participação de cada um no grupo. Cláudio Marinho, sentado ao meu lado, logo fez um sinal com o polegar esquerdo, (igual a sinal de curtir no Facebook). A professora ainda complementou suas instruções "No dia da entrega do trabalho, vou sortear um grupo para apresentar trabalho aqui na frente da sala, valendo de 0 a 10!"



Nunca tive muita sorte com sorteios. Jamais ganhei em loterias. Mas numa coisa eu sempre tive sorte: ser sorteado para dar aula ou apresentar os trabalho pelo meu grupo! Era compreensível, num grupo de 5 ou 6 alunos, as chances de você ser sorteado são infinitamente maiores de que acertar na mega sena. 

Mas não dava outra. Toda vez que sorteávamos um dentre os papeluchos amassados com os nomes dos membros do grupo, alguém retirava um e, quando o abríamos, quase invariavelmente "EU" era o sorteado. Era a antissorte! "Tá bom, agora eu sou o Gastão!"(2), dizia eu.

Eu nunca tive fama de muito estudioso. O cargo de "CDF" era partilhado entre nossas colegas Gracinha, Íris, Simone, Valtenice, dentre outras da turma. Mas, ao contrário do que diz o ditado, um raio cai, sim, no mesmo lugar mais de uma vez, pensava eu, pois já havia ocorrido de eu ser sorteado para apresentar os trabalhos de meu grupo em outras ocasiões.

Numa certa ocasião, sabendo-me desconfiado da lisura do certame de escolha, Cláudio Marinho chegou a fazer com que eu mesmo escolhesse trouxinha de papel. Eu mesmo escolhi um deles e, quando abri, lá estava meu nome mais uma vez. "Tá vendo?" Vingou-se Cláudio Marinho, descartando os outros papeluchos.

No dia da entrega desse trabalho passado pela professora Sirleide eu estava tranquilo, afinal, seriam dois sorteios: primeiro o do grupo e depois o do membro do grupo a dar aula. Eu teria duas chances.

"Vamos ver, então, qual é  o grupo sorteado para apresentar  trabalho!", disse a professora Sirleide, com sua voz firme e impositiva. Após listar os grupos e escrevê-los nos pedaços de papel e amassá-los, a professora pediu que uma aluna da frente escolhesse um aleatoriamente.

Resultado? Deu a lei de Murphy: meu grupo foi sorteado! Só isso foi o bastante para o alívio de uns e a perplexidade e apreensão de nossos outros colegas de turma, pela fama que tínhamos de desleixados. Isso se via nos olhos arregalados de suspense que envolveu a sala de aula.

Restava-me, ainda, a sorte de não ser o sorteado dentre os meus companheiros de grupo. A professora Sirleide ainda nos deu uma chance: "Agora vocês próprios escolhem quem vai dar aula!" Cláudio Marinho logo se apressou para escrever os nomes nos papeluchos, amassá-los e pedir que um de nós escolhêssemos um, também aleatoriamente, e sob a vigilância dos demais. Eu tinha alguma chance de não ter que dar aquela aula!

Dagener foi escolhido para sortear um papelzinho dentre os que Cláudio Marinho escrevera. Ao abrir o minúsculo embrulho amassado, Dagener olhou para mim e disse: "Tchan! É você, Volney, quem vai dar a aula de apresentação!" E os sem-vergonha desses meus companheiros chegaram a vibrar, pular e se abraçar de alívio, alheios ao meu desespero! "Eu quero ver se fui eu mesmo o escolhido!" tentei recorrer, sem sucesso, pois o meu nome era realmente o que constava como o sorteado, conforme averiguei! 

Maldisse minha sorte às avessas! Mas, como eu falei acima, com a professora Sirleide não se devia brincar. Por conta disso, eu havia me preparado para aquela eventualidade pouco provável de acontecer e, para a estupefação de meus pares, dei uma aula, modéstia à parte, estupenda, que mereceu nota dez e elogios impensáveis da exigente professora Sirleide, além dos aplausos dos colegas.

Minha sorte ainda continuaria por alguns trabalhos em grupo ao longo do curso científico. Até que um dia no último ano, isso em 1978, mais um trabalho de turma e mais um sorteio.

Dessa vez eu disse: "Vamos fazer um suspense diferente neste sorteio". Sugeri, então, que Egas Malta escolhesse o papelzinho com  nome do miserável que daria a aula d apresentação do trabalho. "Mas vamos abrindo, um por um, os papeluchos dos que não foram sorteados!". 

Por pouco Cláudio Marinho não conseguiu nos dissuadir dessa ideia. Não entendi direito mas, naquele momento, senti que ele e Henrique Gama se entreolharam de forma suspeita.

Então, abrimos o primeiro dos papeluchos não escolhidos. "VOLNEY". Ao ver meu nome, sei saltos de alegria e alívio. Minha antissorte finalmente acabara! "Isso sim, é que é sorte! Finalmente!", vibrei, desfazendo qualquer suspeita de ilicitude do sorteio e qualquer suspeição sobre Cláudio ou Henrique.

Abrimos o segundo e... para minha completa surpresa, lá constava "VOLNEY"  novamente?! "Como pode?", indaguei-me. No terceiro, quarto e quinto papeluchos desamassados, em todos, inclusive no que fora sorteado, estava o meu nome"VOLNEY", VOLNEY", VOLNEY"! Só o meu nome! Voltei meu olhar de raiva para Cláudio Marinho que, com um indisfarçável riso de canto de boca, evitou me encarar!

Naquele momento, quando eu finalmente entendi o sentido de minha sorte em sorteios pretéritos, eu desejei linchar Cláudio Marinho, o artífice de tamanha sacanagem!

Gargalhadas de meus companheiros de grupo estrondaram nos corredores do colégio, chamando a atenção de outros. Henrique Gama embolava pelo chão, em gargalhadas reveladoras de sua travessa cumplicidade naquela fraude inominável que perpetraram contra mim. E eu, com cara de paisagem, não sabia se caía nas gargalhadas junto com aquelas figuras que tanto amo, porque o lance foi realmente engraçado, ou se assumia meu posto de idiota, dúvida atroz que ainda hoje me assola.

Aquilo tudo teve um aspecto extremamente positivo em minha vida: desenvolveu em mim alguma destreza para dar aulas - a fórceps, é bem verdade! Mas aprendi que, naqueles tempos, a sorte não sorri para todos - as vezes ela faz careta! E eu era o mais engraçadinho dos "sortudos". 

Mas, meu verdadeiro lance de sorte foram as amizades formadas naqueles tempos. Estas continuam mais firmes do que nunca e eu as guardo como um dos maiores tesouros que construí na vida. 

Homenageio, pois, com este artigo, meus eternos amigos e colegas dos tempos do "Colégio Estadual"!

VOLNEY AMARAL


(1) Colégio Estadual Prof. Afrânio Lages, também apelidado de CEPAL, sucessor do velho Colégio Estadual de Alagoas, cuja sede era onde hoje é a Secretaria de Educação.
(2) Gastão - personagem ultra sortudo das histórias do Pato Donald e seu eterno rival na disputa pela bela Margarida!
(3) Cláudio Marinho é o mesmo que, junto comigo, protagonizou a hilária história aqui contada em outro artigo: ROLETA RUSSA. Vale a pena conferir. 

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